Intolerância à lactose e alergia ao leite, restrições que ainda causam confusão. — Foto: ShutterstockInstituições como o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido sugerem que crianças de um a três anos devem consumir diariamente 350 miligramas de cálcio, equivalente a pouco mais de meio litro de leite. Contudo, para os adultos, as investigações sobre os efeitos do leite de vaca apresentam resultados divergentes.

Os seres humanos são únicos entre os animais, pois consomem leite de outras espécies. A grande maioria dos animais desiste do leite na infância, ao começarem a ingerir alimentos mais complexos. Mas por que isso não ocorre com os humanos?

 

As populações que habitam regiões onde as vacas foram domesticadas, inicialmente no sudoeste asiático e depois na Europa, desenvolveram a capacidade de digerir lactose apenas há cerca de 10 mil anos. Como consequência, apenas cerca de 30% da população mundial mantém a produção de lactase, a enzima essencial para a digestão da lactose, na fase adulta. Os demais diminuem essa produção após o desmame.

 

A intolerância à lactose é comum

Apenas algumas populações, como certos grupos europeus, africanos, do Oriente Médio e sul-asiáticos, conseguem consumir leite sem problemas. Mesmo aqueles que toleram a lactose podem optar por reduzir a ingestão de leite devido a preocupações relacionadas à saúde e ao impacto ambiental da pecuária, que têm impulsionado o consumo de alternativas ao leite de vaca.

Mas será que a substituição do leite de vaca por outras bebidas traz benefícios à saúde, ou o leite é uma fonte indispensável de nutrientes essenciais? Além disso, o leite de vaca realmente aumenta os problemas de intolerância à lactose na maioria das pessoas?

 

O leite de vaca é uma fonte rica em proteína, cálcio e outros nutrientes, como vitamina B12 e iodo. Ele também contém magnésio, fundamental para o desenvolvimento ósseo e a função muscular, além de proteínas como soro e caseína, que podem ajudar a controlar a pressão arterial.

O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido recomenda que crianças de um a três anos consumam 350 miligramas de cálcio diariamente, o que corresponde a pouco mais de meio litro de leite. No entanto, as evidências sobre o impacto do leite de vaca na saúde dos adultos são contraditórias.

Embora o cálcio seja vital para a saúde óssea, a relação entre uma dieta rica em cálcio e a prevenção de fraturas ainda não está clara. Diversos estudos não mostraram uma correlação significativa entre o consumo de leite e o risco reduzido de fraturas, enquanto outros sugerem que o leite pode até aumentar esse risco.

Uma pesquisa sueca revelou que mulheres que consumiam diariamente mais de 200 mililitros de leite, equivalente a menos de um copo, apresentavam maior probabilidade de fraturas. Contudo, os autores advertiram que isso não implica necessariamente em uma relação de causa e efeito, pois é possível que pessoas propensas a fraturas tendam a consumir mais leite.

 

De acordo com Ian Givens, especialista em nutrição da Universidade de Reading, o cálcio é crucial durante a adolescência para o desenvolvimento saudável dos ossos. "A falta de um desenvolvimento adequado nessa fase pode resultar em fragilidade óssea na vida adulta, especialmente em mulheres após a menopausa, quando os benefícios do estrogênio diminuem", explica.

Nos últimos anos, outra preocupação relacionada ao leite são os hormônios presentes nele. As vacas são ordenhadas durante a gestação, momento em que seus níveis de estrogênio aumentam significativamente. Embora um estudo tenha associado esses hormônios ao câncer de mama, ovário e uterino, Laura Hernandez, especialista em biologia da lactação na Universidade de Wisconsin, afirma que o consumo de hormônios através do leite de vaca não deve ser motivo de alarme. "O leite humano também contém hormônios, pois isso faz parte da natureza dos mamíferos", observa.

 

Uma análise recente sobre os efeitos do estrogênio consumido pelo leite não encontrou motivos para preocupação.

Os pesquisadores descobriram que os níveis de estrogênio só afetam os sistemas reprodutivos de roedores quando estão presentes em concentrações muito superiores às encontradas no leite de vaca. Apenas após doses extremamente altas foi verificada uma alteração nos níveis hormonais em ratos.

 

Além disso, estudos têm indicado uma possível relação entre o consumo de leite e doenças cardíacas devido ao teor de gordura saturada. Contudo, o leite integral possui aproximadamente 3,5% de gordura, enquanto o semidesnatado contém cerca de 1,5% e o desnatado apenas 0,3%. Bebidas vegetais, como as feitas de soja, amêndoa ou aveia, geralmente apresentam níveis de gordura ainda mais baixos.

Uma pesquisa dividiu participantes em grupos com base na quantidade de leite consumido e encontrou que apenas aqueles que bebiam quase um litro por dia apresentavam maior risco de problemas cardíacos. Essa associação pode ser resultado de hábitos alimentares pouco saudáveis entre aqueles que consomem grandes quantidades de leite, conforme aponta Jyrkia Virtanen, epidemiologista nutricional da Universidade do Leste da Finlândia. "Apenas o consumo excessivo de leite pode ser prejudicial; não há evidências que sugiram danos associados ao consumo moderado", acrescenta.

 

Pessoas com intolerância à lactose podem tolerar pequenas quantidades de leite de vaca.

Especialistas afirmam que os sintomas adversos, como inchaço e cólicas, são reações ao acúmulo de lactose no organismo, e cada indivíduo possui um limite distinto antes de apresentar mal-estar. Christopher Gardner, do Stanford Prevention Research Center, conduziu um estudo com indivíduos intolerantes à lactose e descobriu que muitos não relataram sintomas graves ao consumir leite de soja, leite cru ou leite comum diariamente. "A intolerância à lactose é mais uma questão de grau do que uma condição absoluta; muitas pessoas conseguem lidar com quantidades moderadas de laticínios", conclui.

Com a crescente demanda por alternativas ao leite, o corredor de laticínios em supermercados reflete essa tendência, com opções à base de soja, amêndoas, e outros ingredientes. O leite de soja se destaca como um substituto em termos de proteína, mas as proteínas de bebidas alternativas podem não ser de qualidade semelhante ao leite, o que é especialmente importante para crianças e idosos que necessitam de proteínas de alta qualidade.

 

Não existem evidências que comprovem que os principais ingredientes dessas bebidas ofereçam a mesma nutrição do leite de vaca. Embora muitas alternativas sejam enriquecidas com nutrientes como cálcio, ainda não se sabe se esses nutrientes são absorvidos da mesma forma que os encontrados no leite. Nos Estados Unidos, o leite de vaca é frequentemente enriquecido com vitamina D, que oferece benefícios semelhantes à exposição solar.

Contudo, nutricionistas alertam que as alternativas ao leite não devem ser consideradas equivalentes, especialmente para crianças. Charlotte Stirling-Reed, nutricionista, afirma que o leite de vaca é denso em nutrientes e que as bebidas vegetais enriquecidas nem sempre fornecem todos os nutrientes necessários. Ela destaca a necessidade de diretrizes de saúde pública para determinar se essas alternativas podem substituir o leite de vaca para crianças e idosos.

 

Decidir entre o leite de vaca e suas alternativas pode ser desafiador, em parte devido à variedade de opções disponíveis. A escolha deve considerar as informações nutricionais de cada bebida e as necessidades individuais. Por exemplo, alguém sem intolerância à lactose e com risco elevado de osteoporose pode optar pelo leite de vaca com baixo teor de gordura, enquanto outra pessoa preocupada com o meio ambiente pode preferir uma opção de menor impacto ambiental.

Independentemente da escolha, desde que a dieta seja equilibrada, não há perda significativa de nutrientes. Um substituto adequado pode ser utilizado no lugar do leite. "Embora não seja necessário evitar o leite, também não é imprescindível consumi-lo", conclui Virtanen. "Podemos substituí-lo por outras opções; não há um único alimento essencial para nossa saúde."